Manaus (AM) – Conscientizar sobre saneamento básico para despertar a cidadania, a importância de destinar corretamente o lixo, além de entender como ocorre o tratamento do esgoto e evitar o desperdício de água são os objetivos do projeto “Produção audiovisual para conscientização sobre a importância do saneamento básico na cidade de Manaus”, realizado por alunos do Ensino Fundamental II, da Escola Estadual 1º de Maio, no bairro Praça 14 de Janeiro, na Zona Sul da capital amazonense.
Sob a coordenação da professora de Ciências Biológicas, Márcia Maciel, a iniciativa faz parte do projeto de iniciação científica do Programa Ciência na Escola (PCE), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (Fapeam), e surgiu a partir de outras ações realizadas na escola, como a de prevenção à dengue no entorno da comunidade.
“Durante essas atividades, constatamos a existência de diversas áreas com acúmulo de lixo e a ausência de saneamento básico adequado. Observamos o esgoto a céu aberto, o que nos motivou a elaborar com os alunos o projeto”, explicou a professora acrescentando que o projeto, iniciado no mês de agosto, está na fase de coleta de dados sobre a cidade de Manaus, análise das leis pertinentes ao tema e sobre saneamento básico na capital.
Dados recentes, divulgados pelo Instituto Trata Brasil, apontam que Manaus está entre os 20 piores do Ranking do Saneamento Básico em 2024. Em contrapartida, a capital amazonense é a cidade do Norte que mais investiu em saneamento nos últimos cinco anos (2019-2023). Foram investidos mais de R$ 1.158 bilhão. O estudo considerou indicadores do Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (Sinisa), ano-base 2023, publicado pelo Ministério das Cidades.
Conhecer para transformar
A professora reforça que, já neste primeiro momento, o projeto desperta um senso crítico nos alunos, além de reflexão e autorresponsabilidade. Ela explica que o tema é complexo e a mudança reivindicada pela sociedade requer comprometimento não apenas do poder público, mas também de cada cidadão.
“A solução para essa questão não é simples e envolve múltiplos aspectos. O primeiro deles é a necessidade de que os alunos compreendam o ambiente em que vivem. Como são alunos da área da Praça 14, é fundamental que reflitam sobre como a água chega às suas casas, como os resíduos são descartados e se há tratamento adequado. Além disso, é importante que desenvolvam uma visão global da situação, entendendo o destino dos resíduos e o que deveria ser feito com eles”, destacou.
A realidade que a professora comenta já é percebida pelos integrantes do grupo de pesquisa, como reforça o estudante do 8º ano do Ensino Fundamental II, Wadson Martins, de 14 anos. Ele enfatiza ainda de que forma a proposta poderá contribuir com a mudança na comunidade.
“Eu moro lá para o (bairro) Mauazinho e percebo que temos muitos problemas em relação a saneamento básico, porque às vezes o esgoto acaba entupindo, acaba acumulando lixo, isso acaba sendo muito prejudicial para o nosso bairro. Acho muito interessante porque esse tipo de conhecimento eu posso levar até pra minha vida e ensinar para as futuras gerações”, disse Martins.
Moradoras do Praça 14, as alunas Vitória Eliza, de 14 anos, e Erica Santos, de 13, fazem parte do grupo de pesquisa e também comentam a realidade percebida na comunidade que residem. Os termos técnicos que englobam o saneamento básico são novidades para elas, no entanto, a aplicação prática desses elementos é percebida diariamente nas vivências delas.
Falta de saneamento básico na Zona Sul de Manaus. Foto: Francisco Santos
“A gente ainda está na fase de pesquisa sobre o saneamento básico. Eu percebo muitos problemas perto da minha casa. Tem muito problema de esgoto, muito lixo na rua, esgoto transbordando, nenhum presta. O projeto vai ser bom para escola, bom para as pessoas, para conscientizar mesmo”, disse Vitória.
Erica também reforça que a expectativa do grupo de pesquisa é produzir conteúdos interessantes, que cativem o público e, sobretudo, levem conscientização para a comunidade.
“A gente tem pesquisado bastante e foi aprendendo algumas coisas. Perto da minha casa tem muito esgoto entupido por conta de lixo. Com esses vídeos podemos conscientizar. Muita gente usa o celular no dia a dia, na rede social, e vão dar atenção”, disse a estudante.
Cerca de 16,9% dos brasileiros são impactados pela falta de acesso à água potável, e 44,8% ainda não possuem coleta de esgoto, conforme release com dados mais recentes divulgados pelo Trata Brasil. Os três alunos integram os mais de 40% de brasileiros que lidam diariamente com falta de saneamento básico, que implica em vários problemas, principalmente na área da saúde.
Grupo de pesquisa da Escola Estadual 1º de Maio. Foto: Francisco Santos
Preparar para ação
O interesse e envolvimento dos alunos nesta etapa do processo é notório, conforme a coordenadora, que enfatiza ainda que é crucial que o grupo compreenda, claramente, termos como ciclo da água, o tratamento de esgoto e as soluções ideais, para seguirem adiante.
“Os próximos passos incluem a elaboração de roteiros, a partir da curadoria dos dados coletados, para a produção de vídeos. A intenção é que os alunos participem ativamente da gravação, mostrando a realidade deles. Pretendemos filmar em locais mais conhecidos como o Igarapé de 40 e a Ponta Negra, além da área onde os alunos residem, para facilitar a compreensão do processo”, explicou a professora.
Ainda segundo a coordenação do projeto, a expectativa é que os vídeos sejam amplamente divulgados nas redes sociais, dado o grande interesse dos alunos nesse formato de comunicação.
“Acreditamos que essa abordagem, além de despertar o interesse dos alunos, facilitará a disseminação das informações na escola, entre os demais alunos, pais e na comunidade escolar em geral”, comentou.
Lixo jogado ao lado da Escola Estadual 1º de Maio, no bairro Praça 14 de Janeiro. Foto: Francisco Santos.
Conscientizar para preservar
Para a doutora em Medicina Tropical e pesquisadora do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), Luciete Almeida da Silva, embora o saneamento básico dependa principalmente de políticas públicas, a população também pode contribuir para minimizar os impactos da falta de saneamento.
Segundo a pesquisadora, ações que elevam a conscientização sobre o saneamento básico não apenas informam, mas também empoderam as comunidades a adotarem práticas de prevenção enquanto buscam por melhorias estruturais.
“Avalio esses projetos como estratégicos para reduzir riscos imediatos à saúde, estimular hábitos de higiene e fortalecer a mobilização social. Iniciativas como o projeto ‘Água Boa para Todos’, que é o meu projeto, por exemplo, aproximam ciências e comunidades, oferecendo soluções práticas de educação, que podem transformar a realidade, principalmente, em áreas de vulnerabilidade”, comentou a cientista.
Atuante em projetos de monitoramento da qualidade da água e educação ambiental em comunidades ribeirinhas, Luciete explicou que a falta de saneamento básico pode comprometer gravemente a saúde da população, favorecendo a transmissão de doenças de veiculação hídrica como diarreia, hepatite A, cólera, parasitoses, além de infecções respiratórias e de pele. O acúmulo de resíduos e água parada também aumenta a proliferação de vetores de arboviroses como dengue, zika, chikungunya.
“As pessoas que vivem em áreas sem essa estrutura podem adotar medidas para reduzir os riscos à saúde, como ferver ou filtrar água antes do consumo, armazená-la em recipientes limpos e tampados, adotar práticas de higiene pessoal, lavar as mãos e alimentos adequadamente, dar destino adequado ao lixo doméstico, evitar água parada para não favorecer a proliferação de mosquito transmissor de doenças”, detalhou Luciete, que também é responsável pelo setor de Bacteriologia e Saúde Ambiental do Laboratório Diversidade Microbiana da Amazônia com Importância para a Saúde (DMAIS) do ILMD/Fiocruz Amazônia.
Ela relata ainda que esses problemas geram impactos crônicos, como desnutrição infantil e atrasos no desenvolvimento, além de sobrecarregar o sistema de saúde e reduzir a qualidade de vida das comunidades, principalmente comunidades distantes.
Lixo ao redor de igarapé em Manaus. Foto: Francisco Santos
Educar para vida
Se por um lado a nova experiência no campo da pesquisa tem motivado os alunos, do outro lado, a professora Mara Marciel, que já vivenciou processos acadêmicos, nutre o sentimento de dever cumprido, mesmo sabendo que a conclusão do projeto será em dezembro.
“É o que eu posso fazer, é o que eu posso deixar para eles. Além de ministrar as aulas, também posso envolvê-los em projetos que culminam na disciplina e que saiam também da escola. Isso é importante, incentivando o pensamento crítico e a aplicação do conhecimento, na prática. Acredito que essa é a minha contribuição como professora”, contou a coordenadora do projeto.
Professora Mara Marciel com os alunos do projeto do PCE. Foto: Francisco Santos
Atuar pelo coletivo
Entidades públicas e privadas estão com a missão de tornar realidade o Plano Municipal de Saneamento Básico de Manaus (PMSBM), cujo objetivo principal é organizar e planejar ações de saneamento para os próximos 20 anos, com base em leis nacionais, nas prioridades indispensáveis e demandas fundamentais da população de Manaus.
Atualmente, os trabalhos do PMSB encontram-se na fase de prognóstico, momento destinado à definição de cenários, metas e alternativas para melhorar os serviços de saneamento básico.
Conforme a gestão municipal, o plano abrange os eixos de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, manejo de águas pluviais e drenagem urbana, limpeza pública e manejo de resíduos sólidos, incluindo ainda aspectos de mobilização social e socioambientais.
Em entrevista à Agência Jamaxí, Simony Dias, gerente de Responsabilidade Social da Águas de Manaus – empresa responsável pelos serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto na capital amazonense – destacou que a participação da concessionária na construção do PMSBM é rigorosa e transparente.
“Fazemos reuniões periódicas, repassamos todas as informações técnicas e atualizadas, realizamos visitas às unidades operacionais, estações de tratamento de água, esgoto, comunidades que já foram atendidas pelo sistema. As informações estão atualizadas para o plano e isso é muito importante porque isso vai ser discutido com a população”, disse Simony.
A gerente da concessionária enfatiza que a população precisa ter o conhecimento sobre o Plano Municipal de Saneamento Básico, pois é através do plano que serão construídas as políticas públicas do município. Ela também avaliou de forma positiva projetos como o da professora Márcia.
“Os jovens já são pessoas que começam desde cedo a se engajar nesse assunto do saneamento para que sejam multiplicadores dentro das suas casas, nas escolas, na comunidade. Então a gente vê que isso é importante, as crianças já desde cedo começam a aprender sobre saneamento”, finalizou.
Conforme o cronograma do PMSBM, a apresentação do diagnóstico está prevista para outubro, em formato virtual. No mês seguinte, ocorre a apresentação da etapa de prognóstico. Já em dezembro, haverá a audiência pública presencial. O plano deve ser finalizado e entregue no primeiro semestre de 2026.
A população pode exercer sua cidadania através da consulta pública sobre os serviços de saneamento básico ofertados pelo município. A participação popular é essencial para o diagnóstico das condições atuais e para o planejamento de ações voltadas à melhoria dos serviços de abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem urbana e gerenciamento de resíduos sólidos na capital amazonense.
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